Marília Grassi Trementocio Tosta’s Updates

“Modelos de Letramento e as Práticas de Alfabetização na Escola”- Kleiman

Com a construção desse texto de introdução do seu livro Os Significados do Letramento, Kleiman tem como objetivo discorrer sobre os mitos do letramento. A autora trouxe uma nova perspectiva em comparação com os outros textos que foram estudados na disciplina até o momento: ao invés de contrapor letramento e alfabetização, Kleiman defende a existência de vários tipos de letramento e inclusive, a alfabetização seria um deles. Apesar de a autora demonstrar vários conceitos do letramento, o que defendiam diferentes autores, ela expressa sua opinião desde o princípio, como por exemplo, quando afirma que o sentido que Paulo Freire atribui à alfabetização, como meio pelo qual o analfabeto conseguiria organizar reflexivamente seu pensamento, tornar-se um ser crítico; residiria apenas no modelo acadêmico. Ou seja, não se aplicaria na maior parte das situações de práticas de letramento. A função do letramento, para Kleiman, seria examinar o desenvolvimento social que acompanhou o uso da escrita do século XVI, como: emergência do Estado como unidade política, mudanças socioeconômicas, o desenvolvimento das ciências, a dominância e padronização de uma variante de linguagem, logo, não se pressupunha mais os efeitos universais do letramento, mas que eles estivessem ligados às práticas sociais e culturais dos diversos grupos que usavam a escrita. A escola, a mais importante agência de letramento, escolheria desenvolver alguns tipos de habilidades, mas não outros e determinaria uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita: sua preocupação residiria mais no tipo de letramento “alfabetização”, no reconhecimento de códigos pelo aluno do que com a prática social. Kleiman propõe a existência de duas vertentes essenciais que podem ser classificadas como prática de letramento: o modelo autônomo de letramento e o modelo ideológico. O primeiro seria caracterizado pela crença da escrita como um produto completo em si, sem depender do contexto de sua produção para ser interpretada. Há o pressuposto aqui de que o não alfabetizado não teria inteligência, seria primitivo ou até considerado pré-lógico, em contraponto com os povos alfabetizados que seriam avançados e lógicos. Contudo, o modelo ideológico é caracterizado pelas relações de poder em que o letramento muda segundo o contexto, levando em consideração as práticas sociais, as diferenças e a pluralidade das sociedades. Para Kleiman, o modelo ideológico seria o ideal a ser adotado.

Para a autora, seria necessário que a escola se fundamentasse numa análise entre a oralidade e a escrita, conhecendo suas especificidades sem polarizá-las, como um processo de contínuo, de complementação entre uma e outra: “como um processo que dá continuidade ao desenvolvimento lingüístico da criança, substituindo o processo de ruptura” (KLEIMAN, 1995, p.30). E os alunos deveriam conhecer essas diferenças, assim a escrita passaria a ser objeto de estudo. Para sustentar seu argumento em defesa do modelo ideológico, a autora traz diversos exemplos: um deles consistiria numa pesquisa realizada por Luria na década de 30, na União Soviética em que comparava uma tarefa de categorização em dois grupos de camponeses: os mais velhos, analfabetos e os mais novos, com 1 a 3 anos de alfabetização. O resultado obtido foi que os mais jovens utilizavam categorias super ordenadas e genéricas, enquanto os mais velhos realizaram esquemas práticos (muitas vezes utilitários e em comparação com seu cotidiano). Luria concluiu que quando os sujeitos entram em contato com a escola, eles começam a utilizar princípios de organização que não estavam contextualmente determinados. Porém, não se sabia se o problema da variável era da escrita ou da escolarização. Cinco décadas depois, foi realizada uma pesquisa na Sibéria por Scrilmer e Cole entre os grupos “vai” e descobriram que eles possuíam três formas de escrita: a escrita “vai” para utilização familiar, a inglesa para utilização escolar e a arábica para o ambiente religioso. O resultado dessa pesquisa aponta que o tipo de habilidade é desenvolvido de acordo com a prática social, ou seja, o grupo desenvolvia um tipo de escrita de acordo com o ambiente em que estava inserido, logo haveria várias práticas de letramento e não somente aquela ligada à alfabetização. Nesse exemplo de Luria, discutiu-se em sala se o raciocínio utilizado pelos indivíduos não alfabetizados também não seria uma espécie de categorização: o peixe vive na água e o corvo a usa quando tem sede, logo se poderia classificar em animais que necessitam da água para sobreviver.

Kleiman traz a concepção de Olson em que na produção de um texto escrito há um maior planejamento, organização das idéias em contraponto com a oralidade. Porém, a autora refuta essa ideia ao citar as cartas pessoais como exemplo, pois estar teriam um menor planejamento, reflexão crítica e mais semelhanças com a conversação do que uma palestra inaugural. Nos últimos exemplos, Kleiman traz ocorrências das aulas de alfabetização de jovens e adultos em que se percebe que houve a intenção de seguir o modelo ideológico de letramento: o primeiro seria quando a professora leva o gênero receita e tenta demonstrar para os alunos sua importância que seria de auxílio da memória, porém os alunos, com suas respostas, demonstrariam que não necessitavam dessa ferramenta para cozinhar. Ou seja, haveria uma imposição da crença da importância daquele gênero pela sociedade letrada. Um segundo exemplo seria em uma aula que se explicaria a função da bula, porém os alunos não acreditavam nem nos efeitos dos remédios industrializados, quanto mais teriam acesso a bula. Logo, por mais que a intenção seja de seguir o modelo ideológico de letramento, o resultado foi o de um modelo autônomo, pois a professora não aproveitou desse momento de divergência de idéias para debater e sim só afirmou mais ainda sua crença na indústria farmacêutica, fazendo com que os alunos perdessem interesse na sua fala, como relata Kleiman. em que a intenção da professora seria utilizar o modelo ideológico: trabalhar com os alunos textos que estariam em seus contextos, como bula, faturas, receita de bolo. Contudo, essas aulas apresentaram conflitos, pois os alunos utilizavam da memória para decorar uma receita e aprender a utilizar esse gênero escrito não demonstrava uma utilidade para suas vidas, ou seja, Kleiman demonstra que há a substituição de práticas discursivas do aluno para outras: a da sociedade dominante.

Dessa maneira, para a autora, todos os contextos sociais em que há práticas de letramento devem ser objetos de exame e concorda com Gee (1990) quando este diz que para que alguém compreenda um texto, devem-se levar em consideração quem é o interlocutor, seus valores culturais. Logo, Kleiman faz uso das estruturas etnográficas, pois acredita que dentro de um microcontexto (alfabetização de adultos e jovens, por exemplo) de interação descobrem-se questões macrossociais (ideologia do letramento). Assim, um professor deveria se adaptar aos seus alunos e não esperar que eles se adaptem ao seu modo, tendo como conseqüência a leitura como um instrumento crítico que pode levar à transformação do discurso. Nossas discussões sobre letramento me remeteram a um poema conhecido de Oswald de Andrade chamado “Pronominais” (1925):

Pronominais

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro