A revista DeCoDE é um projeto experimental, fruto de uma iniciativa de pesquisadores brasileiros, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de São Paulo (USP), com o apoio da Common Ground Research Networks, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (UIUC) e do Projeto Nacional de Letramentos.
O nome da revista - DeCoDE - é um acrônimo que significa Design de Conteúdo Digital para a Educação. Sua proposta não se relaciona, portanto, à noção mais tradicional de letramento como decodificação, mas, sim, às práticas sociais de construção de sentidos do ambiente digital. Nós, os editores da revista, temos visões convergentes e interesses comuns que nos motivaram a explorar, através desse projeto, as propiciações do digital no processo de publicação acadêmica. Nesse sentido, considerando o nosso trabalho de ensino e pesquisa com a plataforma CGScholar, vimos nela uma oportunidade para refletir sobre/experimentar um modelo de publicação que pudesse dialogar com a dinamicidade e fluidez do universo digital, buscando trabalhar com a construção de textos em uma perspectiva social e colaborativa.
Considerando a internet no processo de construção e divulgação do conhecimento, a revista se apoia na ideia de que novas ecologias emergem nesse contexto, ampliando os espaços de publicação e podendo acarretar mudanças disruptivas para o modelo de produção acadêmica (Cope e Kalantzis, 2014). Acreditamos que as tecnologias digitais permitem novos e mais dinâmicos sistemas de conhecimento; novas possibilidades de articulação entre diferentes semioses (multimodalidade); o desenvolvimento de relações mais horizontais, colaborativas, dialógicas e recursivas (Cope e Kalantzis, 2014; 2017) - e são exatamente essas propiciações que buscamos. Queremos explorar a horizontalidade das relações no processo de construção e publicação do conhecimento, aspectos intencionalmente favorecidos pela plataforma CGScholar. Entendemos ser essa uma característica democrática de nossa revista, e nosso desafio, nesse sentido, é construir procedimentos que façam sentido aos autores e oportunidades para o diálogo entre diferentes vozes e saberes - experienciais e teóricos.
Em consequência da ampliação do acesso a computadores e aparelhos móveis, hoje os textos são mais interativos e multimodais. Em função disso, acreditamos que as práticas educacionais precisam acompanhar essas mudanças para manter sua relevância social. No meio acadêmico, embora o artigo científico incorpore elementos multimodais, a exemplo do uso de recursos como tabelas, diagramas e imagens, ainda permanece muito ligado a uma lógica dominada pelo impresso. Exemplo disso é o formato padrão de distribuição de produções acadêmicas como o PDF, que não permite incorporação de som e vídeo, e parece representar mais um processo de "digitalização" do impresso. Contudo, sabemos que o trabalho com a multimodalidade altera a própria organização da escrita (Smith e Kannet, 2017), e entendemos nossa revista como um meio de explorar essa área.
Assim, quanto ao formato da publicação, cada trabalho da revista configura-se como uma página da web, um texto nativo da internet, e a ideia é que ela possa ser lida em qualquer dispositivo com conexão à Internet e um software para navegação, em uma interface que funciona bem com representações multimodais, tais como vídeos, diagramas, infográficos, imagens, sons e outras mídias. Os autores podem, nessa proposta, incorporar vídeo, áudio e conjuntos de dados embutidos nos artigos; algo que não é facilmente suportado pelas ferramentas tradicionais que usamos para produzir e publicar artigos, como o Open Journal Systems. Ademais, do ponto de vista textual-discursivo, além da questão da multimodalidade, o digital amplia o modo de composição e as arquiteturas textuais, que não exigem mais restrições de página (formato) ou limites de página (extensão) no registro digital, permitindo leiautes mais fluidos, deslinearizados e inclusão de dados de naturezas diversas na íntegra.
Do ponto de vista operacional, esse projeto experimental busca, por meio da plataforma CGScholar, manter todo o fluxo de trabalho - discussão sobre a construção do trabalho, com feedback e anotações no corpo do texto, e múltiplas versões - em um único ambiente.Tal dinâmica busca evitar a fragmentação do trabalho e até possíveis perdas entre trocas de emails e conversas informais, que são essenciais e refletem as trocas de ideias em torno da construção de um trabalho. Todo o processo é concentrado em um único ambiente, que operacionaliza a logística de revisão e edição. Essa dinâmica é documentada e acionável, tornando recuperável e conferindo mais transparência a cada etapa do processo.
A plataforma propicia um modelo de revisão entre pares que dá materialidade ao processo de escrita enquanto processo de aprendizagem cognitivo e social complexo, envolvendo suas dimensões multimodal, digital e social, e enriquecendo as fases de planejamento, rascunho, feedback, revisão e publicação, tal como sistematizado por Cope, Kalantzis e Pinheiro (2020). Os autores também atuam como revisores, co-construindo e participando ativamente de uma comunidade de prática. Ao situar a revisão entre pares como uma prática entre os próprios autores do volume da revista, nosso objetivo é criar condições de reflexão sobre o processo de escrita que auxiliem os autores a desenvolver seus trabalhos.
Ao enterdermos o processo de revisão como uma prática colaborativa e em correspondência ao ethos da cultura digital, propomos um sistema que se distancia da revisão entre pares tradicionalmente feita nas revistas acadêmicas, majoritariamente realizada com base em uma hierarquia vertical, por especialistas. Utilizamos um modelo no qual os autores se envolvem ativamente no processo de revisão, diversificando as fontes de feedback e oferecendo perspectivas distintas e variadas. Amplia-se o processo de revisão, compreendido como uma oportunidade de colaboração entre criadores de conhecimento, e não apenas um instrumento de “validação”. A produção de conhecimento escapa de seu processo linear, de etapas fechadas, do início ao fim, com a validação de um produto final. O ponto final não será uma versão única do registro - será algo mais processual, que pode ser revisto, reformulado conforme necessário. A criação de conhecimento será mais recursiva, fluida e dinâmica (Cope e Kalantzis, 2014).
Como as novas mídias aumentam a disponibilidade de feedback recursivo, Kalantzis e Cope (2015) recomendaram a distribuição de responsabilidades de avaliação e feedback entre as comunidades de alunos. (...) Por sorte, os pesquisadores descobriram que a média da avaliação de dois ou mais pares era notavelmente próxima da pontuação de um avaliador especialista (Cope et al., 2013; Piech et. al., 2013; Schunn, Godley, & De Martino, 2016). Além de uma solução prática para os cursos, a distribuição de atividades de avaliação e feedback entre os participantes, ou crowdsourcing (Surowiecki, 2004), fornece transparência ao processo de avaliação que muitas vezes falta nos espaços educacionais tradicionais. Além disso, quando a avaliação e o feedback são distribuídos entre alunos e professores, perspectivas distintas e variadas tornam-se disponíveis para informar o aluno. (Hattie & Timperley, 2007, apud SMITH et al., 2017, p. 124)
Embora nosso objetivo não seja nos alinharmos diretamente aos critérios de classificação das revistas acadêmicas, no sentido de partilhar de seus modelos de formatação, classificação e indexação, adotamos alguns procedimentos acadêmicos que consideramos valiosos para validar o conhecimento, pensamos aqui na validação das fontes e nos procedimentos de citação, bem como orientações gerais disponíveis a todos (autores e revisores) por meio de uma rubrica compartilhada. O nosso interesse centra-se, portanto, em explorar outros elementos e dinâmicas propiciados pelo digital no processo de construção do conhecimento, os quais podem ser incorporados pelas práticas acadêmicas.
Em face das circunstâncias impostas pela pandemia da Covid-19, muitos professores se viram diante da necessidade de migrar suas práticas de ensino para os ambientes on-line. Esse movimento resultou em duas principais implicações, a busca dos docentes por soluções advindas das tecnologias digitais e, ao mesmo tempo, a compreensão sobre os novos desafios para levar adiante modelos de ensino on-line.
A transição de atividades, que eram realizadas presencialmente para as plataformas digitais, relaciona-se a questões socioeconômicas que tornam esse contexto ainda mais problemático, pois há desigualdades em relação ao acesso à Internet, a computadores, celulares e tablets. Esse contexto exige adaptações em função dos professores terem que aprender a manusear uma série de ferramentas digitais e fazer ajustes na dinâmica dos cursos, buscando modelos híbridos ou totalmente virtuais.
Diante de tais considerações, esta revista propõe publicar trabalhos que nos ajudem a mapear e compreender esse contexto, por meio de estudos de caso, relatos de experiências e compartilhamento de práticas, que abarquem uma gama de vivências e perspectivas de trabalho pedagógico nesse contexto.
As ideias articuladoras desse debate e a reflexão sobre a diversidade de respostas/reações de acordo com cada contexto e instituição passam pela compreensão de conceitos e de práticas relacionadas a Educação a Distância, Ensino Remoto, Ensino Emergencial, Ensino Híbrido, Ensino on-line, dentre outros.
Diante desse cenário, emergem questionamentos diversos que podem nos ajudar, norteando a reflexão e o desenvolvimento de abordagens e propostas para uso da tecnologia no ensino.
Os trabalhos que compõem esse volume de lançamento se debruçam, a partir de múltiplas perspectivas, sobre questões pertinentes a esse cenário, refletindo sobre potencialidades do digital no processo de ensino-aprendizagem.
"Escolas pós-Covid-19: sete passos em direção a uma revolução produtiva da aprendizagem" traz uma síntese do trabalho de Cope e Kalantzis[1] nos últimos anos. Com base na teoria das sete propiciações do digital, os autores elencam sete frentes de trabalho pensando e um ambiente on-line. O isolamento físico provocado pela pandemia levou a uma busca por novas formas de ensinar, on-line, porém é necessário que a aprendizagem nesse ambiente, seja social.
Alunos ativos, inteligência colaborativa, diversidade cultural, a lógica das mídias sociais, avaliação processual, metacognição e aprendizagem ubíqua são os temas que os autores comentam, em linguagem simples e não especializada. Que possamos "...descobrir que a aprendizagem on-line pode modificar, de maneira revigorante, a antiga sala de aula.".
Em Multiletramentos na formação de professores de línguas - experiências no/do GEFOPLE em ambientes virtuais, Avelar, Magalhães e Freitas[2] descrevem as mudanças praxiológicas no grupo de estudos Gefolple durante a pandemia. A reestruturação das práticas do grupo por meio das tecnologias digitais potencializou trocas de experiências que já aconteciam antes da pandemia, porém em menos escala e intensidade. Essas trocas valorizaram a pluralidade sociocultural do grupo, considerado pelas autoras como importante para a formação dos sujeitos professores.
No trabalho "Uma análise dos relatos de prática sobre Ensino Híbrido no Ensino Superior", os autores Celina Pereira e Leandro Holanda[3] apresentam uma revisão da literatura sobre a utilização da modalidade de Ensino Híbrido no contexto de cursos de graduação e pós-graduação no Brasil, com o intuito de delinear um panorama de como esta abordagem tem sido compreendida e desenvolvida. Diante do atual contexto pandêmico e do surgimento de abordagens de ensino (Ensino remoto, ensino emergencial) para atender às diferentes realidades de ensino, este estudo mostra-se de grande relevância, uma vez que nem sempre há clareza quanto às metodologias e a como traduzi-las pedagogicamente para a sala de aula. A revisão dos trabalhos aponta para questões como a diversidade de práticas no Brasil que se denominam como ensino híbrido, as quais podem se utilizar de organizações e critérios bastante distintos, bem como a necessidade de trabalhar tais abordagens nos contextos de formação docente.
No relato de experiência, “REVISTA DIGITAL “SUPER.ACCIÓN” Uma proposta para o Letramento Digital no Ensino e Aprendizagem de Língua Espanhola”, a autora Eliana Soares[4] apresenta um projeto desenvolvido na sala de aula de Língua Espanhola no contexto de ensino básico (Fundamental II e Médio), que culminou na elaboração de uma revista digital, a Revista Super.Acción”, com publicações de autoria dos alunos. O trabalho relata as etapas de desenvolvimento do projeto, que buscou construir uma experiência de aprendizagem significativa, tendo como foco o processo de produção textual e o engajamento dos alunos a partir do uso das Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação. Essa experiência nos faz refletir sobre as possibilidades de integração das tecnologias digitais da sala de aula de línguas estrangeiras, questão que ganhou ainda mais relevância no contexto de pandemia, em que os diferentes contextos de ensino tiveram que migrar suas práticas para o ambiente digital.
Em "A subversão na Educação em tempos de Coronavírus", Leny Mrech[5] vê uma subversão forçada na educação, durante a pandemia, com a passagem para o ensino on-line. Vale destacar que Mrech é psicanalista, e traz uma leitura de quem acolhe as angústias que sujeitos professores lhes endereçam. Ela alerta para o risco da sobrecarga de trabalho do professor, incentivada pelo discurso neoliberal sobre os empreendedores de si. A autora chama a atenção para a diferença entre o processo da aula online e o da presencial, e aponta como problemático quando o presencial procura se reproduzir no online como se fossem a mesma coisa. O vivo da presença fica de fora. E revela a necessidade de avançar as práticas online para diminuir a distância e encontrar a presença na modalidade online.
O trabalho “A construção de vídeos animados para Educação Ambiental: relato de experiência de integração digital nas escolas no contexto de pandemia” , de José Jailson de Farias[6], também traz um relato de experiência, que reflete sobre o processo de produção de vídeos/animações e desenvolvimento de atividades integrando o digital no contexto escolar, como parte das atividades realizadas por um projeto de Educação Ambiental no contexto pandêmico de Covid-19. As estratégias de adaptação de atividades previamente desenvolvidas presencialmente, a criação de materiais a partir da mobilização de novos conhecimentos por parte do docente, os desafios de integração do digital no contexto de pandemia são algumas das questões reportadas nessa experiência. Ao dialogar com a vivência de diversos docentes e com os desafios enfrentados, esse relato chama atenção para possibilidades/oportunidades de trabalho que emergiram no contexto de pandemia.
No trabalho Memes nas aulas de Língua Inglesa como língua estrangeira, Daniela Gomes de Araújo Nóbrega[7] destaca a necessidade de aprender a usar as tecnologias digitais para criar novas oportunidades de aprendizagem. A autora relata a experiência de criação de um grupo para apoiar os professores, durante a pandemia, na Universidade Estadual da Paraíba. Para ilustrar a proposta de trabalho do grupo, a autora descreve uma oficina de memes, a partir da perspectiva dos multiletramentos.
O volume traz ainda uma entrevista com o professor e pesquisador Eduardo Moura[8]. Seu diálogo com diferentes linguagens e seu trabalho com as mídias, tecnologias e a formação docente foram alguns dos pontos explorados nessa conversa. O trabalho de Eduardo Moura dialoga muito com a proposta da nossa revista e, nesta entrevista, ele trouxe reflexões importantes para pensarmos o trabalho com a educação, com as linguagens e com a tecnologia na atualidade.