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A subversão na Educação em tempos de Coronavírus

Paper

Este artigo originalmente foi feito para a Jornada Fora da Série – Subversões da Seção São Paulo da Escola Brasileira de Psicanálise, em 2020. Nele comento a temática – A subversão na Educação em tempos de Corona Vírus.

Há muitas formas de subversões, porque elas dizem respeito aos furos que o real introduz nas séries, subvertendo todo o processo. Vivemos isso na Educação em tempos de pandemia do Corona Vírus. A Educação não é mais a mesma. Ela foi subvertida. Alunos, professores, equipe técnica, funcionários e pais vivendo uma nova jornada, uma jornada fora de série. O local mudou. Tudo mudou. Em vez de escolas, estamos na época do ensino à distância, à moda do ZOOM e afins.

Na sociedade do neoliberalismo, como aponta Eric Laurent, em O Avesso da Biopolítica (2016, p.11) tornamo-nos todos empreendedores de nós mesmos. Os professores realizadores das aulas on line são agora esses empreendedores de si mesmos. Suas aulas, cuja preparação recai inteiramente sobre os seus ombros, vêem abrindo uma nova senda. Na Educação tais procedimentos se tornaram evidentes e passamos a viver diferentes momentos de um processo subversivo. Trata-se de uma mudança não solicitada pelos professores e demais participantes da escola, mas tendo que ser realizada sob o risco deles serem demitidos.

Para aqueles que acreditavam, como destaca Lacan em Subversão do Sujeito e Dialética do Desejo no inconsciente freudiano (1998, p. 809), na unidade do sujeito do conhecimento vive-se um impasse. Quem é o sujeito que se apresenta nas telas do ZOOM ou afins? Uma pessoa? Uma imagem? Aquele que fala? Aquele que fica quieto? O que se apresenta com a tela escura e uma letra, um nome, um sobrenome? Algo se encontra nesse âmbito subvertido.

Os que dirigem a Educação querem transformá-la apenas em uma sub-versão da prática presencial. Uma versão menor. Mas isso será possível ? A aposta na Educação à Distância tem se revelado algo diferente do esperado: um distanciamento cada vez maior daquilo que se chamava Educação.

Uma situação em que os sujeitos se veem obrigados a trabalhar on line. Professores dobrando o seu tempo de trabalho e suas atividades. Materiais preparados de forma nova sem que sequer se tenha ideia de como os alunos irão recebe-los.

Alunos obrigados a assistir a infindáveis horas de aula on line, como se o processo fosse o mesmo das aulas presenciais. Alguns professores chegam a se lembrar dos alunos na chamada, reconhecendo o seu nome e até dando um: “Bom Dia!”, Mas, são prontamente questionados pela equipe técnica que prefere deixar a tela preta, para não atrapalhar a transmissão (sic) e o aluno pode, muitas vezes, ir fazer outra coisa. Outras escolas ainda obrigam o aluno ficar presente o tempo todo em um desgaste e aborrecimento totais. O que não quer dizer que nem o ensino e a aprendizagem sejam realizados.

O aprender ficou reduzido a um ter que apreender um conteúdo dado. Um pegar um conteúdo prévio, em um mercado de saber que, como diz Lacan no Seminário XVI – de um Outro ao outro (2008, p.31) transformou a nossa civilização em uma civilização comercial. E a chamada Educação a Distância em mais um produto insosso no mercado.

Os alunos e os professores foram jogados em um para todos que não respeita a singularidade de cada um. Éric Laurent em O Avesso da Biopolítica (2016) já destacava de que maneira o liberalismo econômico lida com os falasseres: transformando-os em seres esvaziados, em capas vazias que cada vez mais perdem a vida. Estamos diante de um processo de esvaziamento do que existe de singular em cada um.

O nome Educação a Distância tornou-se uma metáfora do que ela produz, um distanciamento da própria Educação, dos alunos, dos professores, do corpo técnico e, do que sejam, ensino e aprendizagem. Para que haja o ensinar e o aprender é preciso que se toque o falasser e seu corpo[1]. Que se toque o inconsciente. Os corpos distanciados dos falasseres na Educação contemporânea, revelam o oposto até da prática antiga do impossível de educar, como apontava Freud, tornando cada vez mais o impossível de educar um novo sentido da Educação contemporânea, onde através de contatos autistas, o vivo da presença fica de fora.

Pôde-se fazer diferente? No momento a resposta é não. Estamos em uma pandemia. Os riscos podem ser mortais podendo atingir a vida de crianças, jovens e adultos. O importante é que não se confunda essa vida paralela com a própria vida. Para apreender é preciso ter o que apreender - o vivo do inconsciente e não apenas conceitos.

Por isso, considero que a Educação, atravessada pela Psicanálise, é ela mesma subversiva. Ela sempre traz o novo. E apontando que: “ o inconsciente é a política”. O que vale são os falasseres. E uma prática estandardizada do para todos, do universal encontra-se terrivelmente distanciada disso. Temos que avançar em nossas práticas feitas pela via on line. Como atingir aos falasseres? Como diminuir a distância? Como estar presente nas situações on line? E não ficar apenas em uma posição passiva daqueles que acham que transmitem para aqueles que acham que aprendem.

Footnotes

  1. ^ O conceito de falasser pertence ao último ensino de Lacan. Pautado na importância da linguagem ele concebe como falasser o sujeito do significante e mais o gozo através da inclusão do corpo. O primeiro viria da sua relação com a linguagem e o corpo entraria revelando as relações do sujeito com o gozo.

Referências

BROUSSE, Marie Hélène – O inconsciente é a política. São Paulo, Escola Brasileira de Psicanálise, 2003.

FREUD. Sigmund – Prefácio à Juventude Desorientada de Aichhorn IN Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1980.

LACAN, Jacques – Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano IN Os Escritos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998.

LAURENT, Eric – O Avesso da Biolítica: Uma escrita para o gozo. Rio de Janeiro, Editora Contra capa, 2016.